Quem é Volkswagen Corrado, “primo” raro do Golf e colecionado até no Brasil

(SÃO PAULO) – Uma verdadeira revolução se passou na Volkswagen nos anos 1970. Modelos que possuíam motor refrigerado a ar, instalado na traseira e conectado às rodas de trás foram substituídos pelo que se entendia mais moderno e que se padronizava ao redor do mundo: motor refrigerado a água, instalado na dianteira e conectado às rodas da frente. Fusca e derivados aos poucos se despediam.

Três carros fundamentais na história da marca protagonizaram essa transformação: Passat (1973), Golf (1974) e Polo (1975), que se perpetuaram ao longo de várias gerações, conquistaram boa parte do mundo e hoje somam milhões de unidades vendidas. Outro não tão famoso, mas popular naqueles tempos foi o Scirocco, de 1974.

Cupê baseado no Golf e como este desenhado por Giorgetto Giugiaro, se destinava aos descolados e resvalava na esportividade, sem grandes pretensões – a versão GTI chegava a razoáveis mas nada intimidadores 100 cv. Como não passava dos 800 kg, era ágil e divertido ao volante. Mais de 500 mil unidades vendidas depois, o Scirocco passou à segunda geração, em 1981.

No mesmo ano já se desenvolvia o Scirocco III. Que acabou não sendo Scirocco III e sim Corrado, lançado no fim de 1988 sobre a plataforma da segunda geração do Golf e posicionado acima do modelo que lhe deu origem. O Scirocco II foi então mantido até 1992 e sua terceira encarnação surgiu apenas em 2008.

Vitória da engenharia sobre o marketing, o Corrado foi inovador. Fabricado em parceria com a encarroçadora Karmann, estreou equipado com motor 1.8 dotado de compressor mecânico, a famosa versão G60, de 160 cavalos de potência e 225 km/h de velocidade máxima. Motores mais mansos, de 1,8 e 2 litros, também poderiam ser encontrados sob o capô nos anos seguintes.

Frisson na época foi o spolier traseiro que se estendia automaticamente a 120 km/h, garantindo mais estabilidade em altas velocidades. Dr. Carl H. Hahn, presidente do conselho de diretores da Volkswagen entre 1982 e 1993, teria dito que o Corrado deveria ser “uma espécie de novo Karmann-Ghia, só que com mais potência”.

Em 1992 surgiu o VR6, o mais cobiçado e potente dos Corrado. Para garantir que a força do motor 2.9 de seis cilindros e 190 cv fosse transferida adequadamente às rodas e o carro arrancasse até os 100 km/h em menos de sete segundos, desenvolveu-se um chassi mais robusto, emprestado do Golf MK3. O câmbio era um manual de cinco marchas e havia também direção hidráulica e freios ABS.

Algumas edições especiais foram adicionadas ao longo dos seus sete anos de produção. Como a Storm, limitada a 505 exemplares exclusivamente destinados ao mercado britânico, metade na cor Mystic Blue com bancos de couro preto e metade na Classic Green com bancos de couro bege. Completavam o visual rodas BBS “Solitude” de 15 polegadas.

Puro exercício de ficção foi um protótipo do G60 preparado para 210 cv, hoje parte do acervo da Volkswagen Classic. Bem como uma variante conversível, de duas unidades fabricadas.
Outra versão exclusivíssima é a Campaign, inventada como prêmio para as concessionárias inglesas que vendessem o maior número de Corrados. Apenas seis foram configurados, mas só quatro ainda existem, de acordo com a casa de leilão Bonhams – que ofertou um deles no ano passado por 35 mil libras (à época o equivalente a R$ 270 mil).

Até 6 de julho de 1995, somaram-se 97.535 Corrados produzidos. Além da Europa, fora exportado para EUA e Canadá.

Neoclássico
Em comparativo organizado pela inglesa Car, em 1989, criticou-se no Corrado o câmbio, para eles “desarmonioso e vago”. Ainda assim, bateu o Audi Coupe Quattro e outro esportivo ilustre naquela era: “como máquina de dirigir, o Porsche 944 não é melhor do que o Corrado”, concluía a publicação.

A americana Motor Trend, olhando pelo retrovisor, relembrou: “era perfeitamente alemão, durante uma era de estilo robusto e discreto que ainda transmitia músculos. Mas o Corrado era muito caro, e nossa teoria é que os americanos simplesmente não o entenderam. O Corrado era um albatroz estranho, algo difícil de explicar e difícil de pagar. Considerando que um GTI era fácil de entender, com preços razoáveis”.

Talvez muito por conta do motor equipado com supercharged da versão G60, sobre o qual a revista especializada concluiu: “é uma solução complexa, mas elegante – e, portanto, perfeitamente alemã. E como muitas outras coisas alemãs maravilhosas, funcionou muito bem enquanto estava funcionando. Mas se revelou mais problemático do que os proprietários ou a Volkswagen esperavam”.

De todo modo, foi um dos principais modelos a lustrar a imagem da marca nos EUA, admite a também norte-americana Road & Track. “O Volkswagen Corrado não vendeu muito bem quando era novo e muitos foram modificados com o tempo, tornando-se difíceis de se encontrar em estado original. Hoje em dia, são alguns dos Volkswagens mais procurados no mercado de antigos. Eles raramente aparecem à venda, mas quando aparecem, geralmente custam muito dinheiro”, avalia.

Em 2003, o ex-astro de Top Gear Richard Hammond disse que o motor da versão VR6 era um dos melhores que a marca já havia construído, elogiou bastante o design e a dirigibilidade e observou que, por não ter sido um sucesso de vendas, era raro. E cravou: “em poucos anos ele será um verdadeiro clássico, e meu conselho é que você compre um agora, antes que todo mundo o queira”.

E é o que o Corrado se tornou, um clássico. E quem garante é a Hagerty, seguradora americana especializada em veículos antigos, que no ano passado incluiu o cupê em sua lista de carros para investir em 2020.

“Este carro agrada igualmente a todas as faixas etárias. Com modelos valendo US$ 6.500, é uma porta de entrada mais barata que um Golf GTI da mesma fase, porém mais raro. Nossas cotações de seguro para o Corrado aumentaram 25%, então o interesse nele está aumentando”, analisa a empresa.

Tem no Brasil?
Não só nos EUA ou na Europa o Corrado hipnotiza colecionadores. Mesmo no Brasil, para onde jamais fora exportado oficialmente, o cupê conquistou fãs – mas poucos têm o privilégio de estacionar um VR6 ou G60 na garagem.

“Reza a lenda que vieram 100 exemplares para o Brasil. Mas não há certeza, pois foram trazidos via importação independente e nos registros apenas constava que se tratava de um Volkswagen importado. Imagino que tenha sido quantidade menor, pois hoje se tem notícia de apenas 23 exemplares”, explica Márcio Rubino, 42, dono de um exemplar VR6, comprado há seis anos por R$ 50 mil. “Hoje, um modelo judiado não sai por menos de R$ 100 mil”, conclui.

Faz sentido. O único Corrado encontrado pela coluna – um G60 automático com 13 mil quilômetros – é ofertado por R$ 160 mil.

“Ninguém tem certeza do número real, mas estimo que seja algo entre 30 e 40 exemplares no máximo. Eu mesmo tenho catalogado 20”, acrescenta Carlo Abel, outro colecionador.

Além do preço alto e da míngua de carros à venda, outro desafio para quem pretende ter um Corrado no Brasil é a escassez de peças.

Abel, comerciante de 37 anos, deixou escapar o Corrado VR6 1993 preto com interior bege que tanto queria duas vezes. Na terceira, não titubeou. “Hoje acho difícil ele sair da minha garagem”, avisa.

“Não tive que reformá-lo nem nada, mas uma pecinha do forro de teto e um detalhe do console que está quebrado não consigo achar novos para trocar. Faróis de milha também, quero os originais, mas chegam a custar 1.000 euros um par bom. Itens de acabamento são muito caros e difíceis de se encontrar mesmo lá fora”, lamenta.

E se for um Corrado equipado com o motor sobrealimentado, o desafio talvez seja ainda maior. “O meu Corrado, da versão G60, é o único na cor branca por aqui”, garante Francisco Herrera Lopes. Oftalmologista, 35 anos, ele conta que comprou o carro com motor e câmbio desmontados.

“O compressor do G60 é complexo. Se lá fora já é difícil mantê-lo, imagine aqui. Então resolvi montar o motor aspirado, só que com cabeçote de 16 válvulas. A potência será a mesma, porém a entrega será de forma diferente”, prevê.

Segundo ele, não é tarefa simples encontrar peças do Corrado por aqui: “o desafio é enorme. Certa vez importei uma peça de acabamento do para-choque, e cunhado teve que trazer na mudança dele dos EUA, enrolado em duas pranchas de surfe”.

Conteúdo UOL

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